A exportação de serviços e o ISS das empresas de tecnologia da informação
Muito se tem indagado se o ISS incide sobre a exportação de serviços, já que a Lei Complementar nº 116/2003 não estabeleceu seus parâmetros com suficiente clareza. E, no que é pior, muitas municipalidades, aproveitando-se dessa vagueza, têm extrapolado os limites da LC 116 por meio de interpretações restritivas que praticamente tornam letra morta a isenção sobre a exportação de serviços.
Tal postura é surpreendente, já que União e estados há muito praticam a desoneração das exportações, sem que se conheçam grandes e relevantes discussões acerca dela. Entretanto, o mesmo tratamento não é dado ao ISS sobre a exportação de serviços pelos municípios, em especial sobre a exportação de serviços prestados no Brasil, mas cujo resultado se observe no exterior.
Isso porque eles, os municípios, pretendendo regular a isenção exigida pela Lei 116/2003 (LC), ou mesmo em suas manifestações formais (como em soluções de consulta ou com a expedição de atos normativos), acabaram criando diversos entraves para a fruição da aludida isenção, tornando-a quase que inaplicável, diferentemente do que tem sido a postura de União e seus estados em relação aos tributos de suas respectivas competências sobre exportações, conforme já mencionado.
Ora, se o Brasil é constituído sobre a forma de federação, como diz o próprio artigo 1° de sua Constituição, não poderia haver tamanha dissonância. De fato, tal dispositivo constitucional apregoa que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito” e se alicerça nos fundamentos da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político.
Outro detalhe do estado brasileiro, insistimos, no que é comum a outras inúmeras nações, é o incentivo às exportações, de maneira a incrementar o ingresso de divisas no país. Tal apoio se observa claramente na esfera tributária, sendo fácil identificar na seara legislativa desoneração de diversos tributos que envolvam operações de venda de mercadorias e de produtos para o exterior, como o ICMS, o IPI, o PIS e a COFINS.
Com o advento da Lei Complementar n° 116/03, consoante singela leitura do seu artigo 2°, inciso I, fácil a conclusão de que “as exportações de serviços para o exterior do País” estão afastadas da tributação do ISS, sendo defeso a qualquer município do território nacional exigir ISS sobre tal materialidade.
Vale mencionar nesse ponto que compete a uma Lei Complementar, dentre outras atribuições, “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes” (art. 146 da CF/88).
E qual é o texto da LC 116/03 em relação à incidência do ISS sobre exportação de serviços? Vejamos:
Art. 2º O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;
(…)
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.
Nessa linha, um prestador de serviços brasileiro que esteja em território estrangeiro prestando seus serviços será agraciado, infalivelmente, com a isenção a que se refere a LC 116, sem que qualquer dúvida paire sobre isso e independentemente de gerar divisas para o Brasil, no que torna a isenção incompreensível.
Contudo, caso a prestação de serviços seja executada em solo brasileiro, há que se explorar mais detidamente o que determina o parágrafo único do mesmo artigo, que traz elemento que merece um esclarecimento mais profundo, qual seja, a exigência de que o “resultado [dos serviços] aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior”.
Nesse ponto está o cerne da questão, sendo que com a ausência de texto legal que conceitue o que vem a ser tal “resultado”, cumpriu à jurisprudência essa construção, e ela tem sido de duas naturezas: a do “resultado-utilidade” e a do “resultado-consumação”.
A primeira, a do “resultado-utilidade”, aproxima-se da ideia de que a exportação estará configurada quando satisfeita a intenção do contratante estrangeiro, com a fruição, em seu país, dos benefícios da conclusão dos serviços.
A segunda, a do “resultado-consumação”, resta caracterizada quando do último ato de execução dos serviços, independentemente de onde se dê a fruição do benefício dos serviços.
Arriscando um exemplo de fácil compreensão, pensemos numa peça automotiva que tenha sido enviada para o Brasil para conserto, devendo voltar ao país de origem, já consertada, e ser instalada em determinado veículo.
Apropriando-se do conceito de “resultado-consumação”, em nosso exemplo o trabalho de conserto foi finalizado aqui no Brasil, portanto com incidência do ISS. Já no caso de aplicarmos o conceito de “resultado-utilidade”, teríamos que a conclusão do serviço se daria apenas após a instalação da peça no veículo e, mesmo assim, desde que se atestasse seu correto funcionamento.
É nosso pensamento o de que a melhor interpretação ao parágrafo único do artigo 2° da LC 116/03 é a da aplicação do conceito de “resultado-utilidade”, em que o resultado do serviço apenas seja medido após percorridas completamente todas as etapas pretendidas pelo contratante para satisfação de sua demanda.
É no contrato firmado entre as partes que se encontra a intenção do contratante, razão pela qual não pode ser ignorado para os fins de se identificar onde e quando se vislumbra o resultado dos serviços prestados.
Inclusive isso se vincula ao próprio conceito de “prestação de serviços”, construído pela jurisprudência (também por conta de obscuridade da legislação em torno de tal conceito) e que nos indica se referir a uma “obrigação de fazer”, cujos traços particulares se observam nos contratos.
Satisfatoriamente o Superior Tribunal de Justiça, depois de ter oscilado por muitos anos acerca dessa questão, caminha em direção a esse entendimento.
De fato, no ARESP nº 587.403/RS, de nov.2016, o STJ reconheceu a importância de se atender ao objeto do contrato para fins de aplicação da aludida isenção. Sobre isso, colacionamos interessante trecho do voto do relator (da lavra do Ministro Gurgel De Faria):
“O que importa, portanto, é constatar a real intenção do adquirente/contratante na execução do projeto no território estrangeiro, de tal sorte que, quando o projeto, contratado e acabado em território nacional, puder ser executado em qualquer localidade, a critério do contratante, não se estará diante de exportação de serviço, mesmo que, posteriormente, seja enviado a País estrangeiro, salvo se dos termos do ato negocial se puder extrair a expressa intenção de sua elaboração para fins de exportação.
‘O resultado do projeto de engenharia, assim, não é a obra correlata, mas a sua exequibilidade, conforme a finalidade para que foi elaborado. ”
Note o leitor dois pontos relevantes nessa passagem: (i) a intenção do contratante estrangeiro de que o resultado dos serviços contratados se dê em seu país; e (ii) a correspondente e inequívoca menção dessa intenção no contrato de serviços. Queremos dizer com isso que o contribuinte que presta serviços para o exterior deve se revestir de comprovações de que o seu cliente estrangeiro aplicará os esforços de seus serviços no território do seu país, sendo a mais importante – e deveras inafastável – delas (comprovações) o contrato de prestação de serviços.
Vale destacar que a Prefeitura de São Paulo, expoente na administração tributária do ISS (e que por essa razão é inspiração para muitas prefeituras), admite que “o conceito de resultado relaciona-se com o objetivo pretendido pelo tomador dos serviços e deve ser entendido como o produto dele decorrente” (item 14 da Solução de Consulta SF/DEJUG nº 6, de 17 de março de 2016).
Muito embora com essa postura, devemos ter cuidados redobrados quanto ao trato dessa isenção pela municipalidade de São Paulo, inclusive quanto ao preenchimento da NFS paulistana (Nota do Milhão). Isso por conta da edição do Parecer Normativo SF Nº 4 de 09/11/2016, que traz critérios próprios para a caracterização do “resultado” da exportação dos serviços, alguns que podem inclusive confundir o contribuinte e levá-lo à incorreta exação. Vide o exemplo do art. 2º, I, do PN SF 4/16, que afeta diretamente a atividade de tecnologia da informação:
Art. 2º Sem prejuízo de outras situações em desacordo com o disposto no “caput” do artigo 1º, não configuram exportação de serviços as seguintes situações, referentes a serviços previstos na lista do “caput” do artigo 1º da Lei nº 13.701, de 29 de dezembro de 2003:
I – para os serviços previstos no item 1 da Lista de Serviços – “Serviços de informática e congêneres”, se o sistema, programa de computador, base de dados ou equipamento estiver vinculado a pessoa localizada no Brasil;
Segundo entendemos, além do dispositivo ser ambíguo, ele também é vago, podendo, como dissemos, provocar confusão. Queremos crer que o preceito se refira ao objeto material ou bem intangível sobre o qual será aplicada a prestação de serviços, ou seja, determina, para que seja considerada exportação de serviços de tecnologia da informação, que o sistema, o programa de computador, a base de dados ou o equipamento “trabalhados” pelo prestador de serviços brasileiro não sejam vinculados a pessoa brasileira.
Abstraímos dessa leitura, portanto, que seria o caso, por exemplo, da prestação de serviços para o exterior cujo cliente (contratante-encomendante) é uma pessoa ou empresa brasileira, proprietária do sistema, programa de computador, base de dados ou equipamento que está no exterior. Segundo entendemos, até mesmo uma empresa brasileira que preste serviço para sua sucursal estrangeira estaria abrangida por esse dispositivo, entretanto em descompasso com o que diz a LC 116/03, que não traz essa limitação.
Por sorte, um Projeto de Lei do Senado (PLS 475/2017) apresenta melhores critérios para a fruição da isenção de ISS sobre exportação de serviços. Com efeito, sua ementa informa que se pretende com tal projeto alterar “a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, para estabelecer critérios para isenção de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza sobre as exportações de serviços para o exterior do País”.
A nova redação, se aprovada, será a seguinte:
Art. 2º ………………………………………………………………….
I – As exportações de serviços para o exterior do País, quando os benefícios do serviço se verificam em território estrangeiro e há ingresso de divisas no país.
……………………………………………………………………………..
Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso I, o local onde os benefícios do serviço são verificados independe do local onde o serviço é realizado.
Com sua vigência, parte dessa celeuma cairá por terra, passando a ser aplicada a isenção indistintamente, bastando que a prestação de serviços gere benefícios no país estrangeiro e que haja o ingresso de divisas para o Brasil, sem que se discuta onde está o prestador.
Todavia, não havendo nenhuma emenda da Câmara dos Deputados (onde está o projeto), se perderá a oportunidade de conceituar definitivamente o que vem a ser “benefícios do serviço”, pois, sem isso, ter substituído a expressão “resultados” por “benefícios” não nos parece mudança significativa a ponto de pôr uma pá de cal nessa discussão.
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